O populismo inaceitável<br>e a reflexão que importa

Rui Fernandes

Os Comandos vivem tempos conturbados em resultado do falecimento de dois instruendos e de alguns outros afectados na sua saúde. Uma situação que se lamenta profundamente e mais se lamenta dada a natureza do problema que conduziu a este desfecho, ou seja, não estamos a falar de um acidente, mas de um incidente.

Estão em curso inquéritos, seja o promovido pelo Exército através da iniciativa expedita do senhor General CEME, seja o promovido pelo Ministério Público, e deles, espera-se, será dado conhecimento público e retiradas as devidas consequências.

Neste contexto, falar da extinção dos Comandos, como propôs o BE, é de um populismo inaceitável. Não podem ser acontecimentos circunstanciais, por mais lamentáveis que sejam, a determinar opções dessa natureza. Todos os ramos já tiveram ocorrências desta natureza e isso não conduziu ao pedido de extinção das Forças Armadas. Veio ao de cima, no posicionamento do BE, o uso do artifício como forma de fazer política, estilo este corrente no BE e relativamente ao qual impera uma angelical complacência.

Acoplado ao acontecimento da instrução para tropas comando está também a prestação de cuidados médicos. Seja o do acompanhamento feito durante a instrução, seja o da prestação de cuidados quando necessário, seja o da capacidade de evacuação rápida e, por fim, o da capacidade do Hospital das Forças Armadas (HFAR) em responder às solicitações. É importante que os inquéritos em curso não se limitem ao problema concreto que determinou os falecimentos, mas possa ir mais longe, até porque, aparentemente, os tempos de resposta foram inaceitáveis. Por exemplo: por que não houve evacuação rápida por via aérea? Por que não foram os militares para o HFAR?

Esta questão do HFAR reveste-se de importância, dado o coro mais geral de críticas e insatisfação que há muito se colocam e que tem o seu epicentro na decisão do governo PSD/CDS de unificar os hospitais, sem cuidar de garantir previamente as condições de funcionamento cabal da nova estrutura, conforme o PCP na altura alertou. A vida veio comprovar, mais uma vez, os alertas feitos.

O grande desígnio do governo PSD/CDS e do ministro Aguiar-Branco foi fechar! Como ficavam os militares e suas famílias; como ficava a resposta à saúde operacional, logo se via para não dizer: amanhem-se. Será importante que o actual Governo e o actual ministro não prossigam no mesmo trilho.

A depauperação geral a que os militares têm sido sujeitos é um facto que só não vê quem, conscientemente, não quiser ou, é legítimo, quem achar que o que é diferente deve ser tratado de forma igual. Se a primeira questão não tem resolução, a segunda tem implicações.

Se o caminho é o da igualização nos direitos, penalizando os militares, já que em matéria de deveres a penalização e a diferença é óbvia, então, mais cedo do que tarde, colocar-se-ão nesta matéria muitos outros aspectos em que os direitos estão arredados. Não venham depois utilizar o velho «papão» da coesão e da disciplina, entre outros, para dizer que não pode ser. Até porque, a experiência internacional o demonstra, não há na verdade «papões», mas tão só fantasmas e preconceitos.

Esta é uma reflexão que, antes de mais, cumpre ao poder político, ao Governo (este ou outro), seriamente fazer, porque dificilmente será comportável ser prosseguido o caminho de transformação dos direitos sociais, nas reformas, etc., dos militares, aproximando-os da regras gerais para qualquer trabalhador da administração pública, sem que isso coloque em cima da mesa outras matérias até hoje arredadas.

Vejamos: o Governo pôs em apreciação um diploma sobre um novo regime de cálculo de pensões de reforma. Diz o MDN que é salvaguardada a diferença militar e não militar. É mesmo? Salvo melhor opinião, assim será para quem beneficiava das condições constantes no estipulado na lei 166/2005 e passe à reserva até ao final deste ano. Mas para os que saiam fora disto a realidade parece ser bem diferente, para pior.

 



Mais artigos de: Argumentos

Paz: anseio e direito dos povos

Este ano o Dia Internacional da Paz – 21 de Setembro – que a ONU estabeleceu em 1981 e comemora desde 1982, é assinalado num contexto muito complexo onde ingerências, conflitos internacionais e reforço da militarização, que não podem...

Na floresta de enganos

Como é sabido, enganos há muitos por esse mundo fora, ainda que para estas duas colunas interessem sobretudo os enganos que surgem na televisão. Bem se poderá dizer mesmo que a televisão que tão intensamente nos alimenta os saberes que temos ou que julgamos ter é uma...